Pintando o amanhã com as cores do hoje

Por Alexandre Vinícius

“Quando chegávamos a outras ONGs e escolas públicas, as pessoas nos indicavam as crianças mais difíceis, ‘esse ai deve dá pro grafite’, diziam”, relatou Josi, conhecida pela tag Jouse Barata, que junto a Adelson, que assina Boris, Erinaldo, que prefere Florin, e Fagner, o Luther, formam o Movimento Cultural Cores do Amanhã, associação civil filantrópica que 

busca através da cultura do Hip Hop levar educação e cultura às crianças

e jovens de comunidades de Pernambuco.

                                 Assinatura em WildStyle do Coletivo

Em crews pela cidade, o quarteto percebeu a carência de lazer e cultura nos muitos bairros que percorreram pintando as paredes. Buscando afastar os jovens do determinismo social, os amigos resolveram ensinar o que sabiam: o grafite, “um instrumento para levar a cidadania através da arte”, como ressaltou Jouse Barata. Com a ajuda de voluntários, - como Edgleice, tag Gleice, que além de grafitar, é recreadora, e mantêm os mais jovens ocupados com atividades lúdicas-, a crew conseguiu montar oficinas gratuitas de Hip Hop, que abrange além do grafite, o break (dos B-boys), a discotecagem (dos DJs), e o beatbox e rap (dos MCs).

Já são em torno de 30 comunidades na Região Metropolitana do Recife (RMR) atendidas pelo grupo, “Ilha de Deus, Caranguejo Tabaiares, os Altos, Barro, Coque, Coelhos... Onde chamar!”, afirmam. Em intercâmbio com outras Ongs, já visitaram Fernando de Noronha, Belém do Pará e até a Bahia. Perguntados sobre a idade dos que participam das oficinas eles respondem juntos: “A idade? Toda idade. A gente chega na comunidade e quando vê, tá pintando a criança, a mãe, o pai, todo mundo.”

O coletivo trabalha espontaneamente em prol da educação das crianças, “a gente pinta de forma voluntária e faz as oficinas com as crianças, e as comunidades nos retornam com doações, nos dão uma tinta, ou um móvel, uma estante”, afirma Josi. Como outra maneira de arrecadar fundos para comprar materiais e manter as atividades, o grupo organiza festas solidárias em datas comemorativas como o Natal e São João, e campanhas de doação, como a atual: Adote uma Latinha.

Recebendo constantemente o convite das comunidades da RMR, os grafiteiros da Cores do Amanhã, que percorriam a cidade de norte a sul, leste-oeste, nos transportes públicos, carregando galões de tintas e outros materiais para as oficinas, viram no Prêmio Nacional Preto Ghóez, um edital nacional que premia iniciativas ligadas à cultura Hip Hop, a oportunidade de melhorar o atendimento e a realização das oficinas nas comunidades. Inscreveram-se, ganharam e enfim puderam comprar uma Kombi, pintaram-na de azul e logo estamparam o nome da Cores na lataria. Acima de qualquer conforto, esse prêmio deu a possibilidade de chegar a todos os bairros que os chamavam, adentrando, inclusive, o agreste e o sertão pernambucanos fazendo oficinas nas cidades de Tabira, Altinho e Alagoinha.

Kombi adquirida com verba de Edital Preto Ghóez

“Antes a gente dava as oficinas na minha casa, montávamos as festas na rua mesmo e assim fomos levando por três anos e meio”, explica Jouse Barata, que acolhia a sede da Cores em seu terraço. O coletivo, que a cada dia atende mais crianças e adolescente, média de 200 crianças nas comunidades por semana, e mais 300 delas só em Totó (Jardim Planalto), bairro sede da ONG, observou a necessidade de um lugar próprio.

Sem apoio do governo municipal, estadual ou federal, outra vez recorreram a editais nacionais. O concurso cultura “Essencial para a Comunidade” da Listerine (Johnson & Johnson), produto de enxaguante bucal, oferecia prêmio a associações e organizações comunitárias que fortaleciam o bairro levando educação e cultura para as pessoas. O vídeo da Cores do Amanhã foi o mais votado pelos internautas e também conquistou o voto da banca organizadora.

Com dinheiro em caixa, mas com a bolha imobiliária que acomete a cidade do Recife, o grupo teve dificuldade para encontrar um lugar para os planos da Cores continuar. Há um mês, acharam uma nova sede na Rua Garota de Ipanema, bairro de Totó, Zona Oeste do Recife, e começaram a mudança, pintavam as portas no dia dessa entrevista. Apesar da sede nem ter sido inaugurada, o espaço já se mostra pequeno para a vontade do coeltivo, “precisaríamos de uma quadra para colocar tantas crianças e atividades que gostariamos”.

                            Foto: Cores do Amanhã
                                 Florin (E) e Boris (D) colorindo a nova sede.

O coletivo se organiza para inaugurar o espaço dentro de um mês dando continuidade ao trabalho de educação e socialização àquelas crianças que a sociedade e o poder público não apoiam, através das artes e da solidariedade, comunicando-se com o jovem em meio às ruas.

O Movimento Cultural Cores do Amanhã também se mostra pluralizado quando além do trabalho com os jovens, se ramifica pelos trabalhos pessoais de cada um dos integrantes, dentre estes, destaca-se o Cores Femininas, criado por Jouse Barata em companhia de outras grafiteiras e voluntárias, iniciativa que busca aumentar a representatividade da mulher no Hip Hop e nos movimentos sociais de rua.

                            O Coletivo ainda está organizando a sede para
                                  abrir dentro de um mês

O Coletivo:

Josi/ Tag: Jouse Barata   
Graduada em Artes Plásticas, Josi trabalhou na antiga Febem de Pernambuco como arte-educadora, e cometou: “como eu trabalhava com meninos envolvidos em conflitos com a lei, eu me interessei em me envolver nos movimentos de rua para entender um pouco mais o mundo desse jovens. Então fui virar grafiteira para que isso me ajudasse a chegar mais perto da realidade dos meninos.” Os olhos de bonecas são a marca dos desenhos da grafiteira.

  

Adelson/ Tag: Boris
Pefil: Boris se envolveu com o grafite no próprio bairro que vive, Totó, e começou a desenvolver a arte de forma profissionalizante, pintando camisas e outros trabalhos comerciais desde 2003. Em 2008 passou a integrar o Cores. “A rapaziada do grafite me ensinou uma forma de comunicação com os jovens”, afirmou o grafiteiro. Interessado por retratos, Boris costuma pintar rostos.

Erinaldo/ Tag: Florin          
Perfil: Se desenvolveu na arte de pintar. Quando menino pichava, sabia que era errado, mas era aquilo que sabia fazer. Enturmou-se com grupos de grafiteiros, inclusive os que hoje compõem o Cores do Amanhã, deixou o vandalismo e iniciou-se no Grafite, como explicou: “É uma escadinha, primeiro começa com a pichação, ai vem o bombing que já é grafite, depois passei para a aerografia, um grafite mais profissional”.

 

Fagner/ Tag: Luther           

Perfil: Exerce a arte do grafite social em duas frentes: diretamente com o jovem através do seu trabalho no Cores do Amanhã; e indiretamente nas paredes da cidade, como protestos a respeitos de dificuldades enfrentadas pelas comunidades, como também a tentativa de conscientizar para questões sociais e raciais, este último a exemplo da foto.