De uns anos pra cá, o grafite vem se consolidando como arte e não mais como vandalismo - ao contrário da pichação. No fim das contas, as pinturas urbanas não são mais meras demarcações de território, mas sim expressões artísticas. E, como tal, se desenvolve em vários estilos e categorias diferentes
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Praticidade: a tipografia simples do bombing marca paredes da cidade |
Feito com spray, rolinho ou pincel, a expressão toma os espaços urbanos. Qualquer parede e qualquer superfície podem servir de tela pra essa arte, que respira em locais públicos – ou os deixa respirar. Infelizmente, quem não sabe do que se trata o grafite, ainda comete o equívoco de confundi-lo com a pichação, que consiste em marcar um espaço com assinaturas de nomes, apelidos e gírias. Na maior parte das vezes o “picho” não carrega um significado expressivo ou de denúncia social, ao contrário do grafitismo.
Sobretudo, alguns atuais grafiteiros iniciaram-se pichando. É o caso de artista de rua conhecido por Florim, que quando adolescente pichava e só conheceu o grafite através do movimento Hip Hop. “Eu comecei pichando nas ruas e não sabia que isso era errado. Quando a gente é adolescente acaba convivendo com pessoas de má índole e depois vi que pichar e depredar o muro dos outros não era certo”, explica Florim, que diz ter aprendido as técnicas artísticas sozinho, sendo um autodidata. Hoje, ele faz parte do Movimento Cultural Cores do Amanhã, ONG que ensina a arte de rua a crianças e jovens carentes do Recife.
Dos estilos mais tradicionais dessa arte nem tão contemporânea assim – protestos e desenhos feitos em paredes já haviam na antiga civilização romana -, existem o Bombing e Bubble Style. Ambos são, basicamente, escritos, compostos com letras, com uma diferença: Enquanto o bubble, fazendo jus ao nome (bolha, em inglês), usa letras arredondadas simples, o bombing é uma caligrafia por vezes mais complexa e comum. Alguns são bastante elaborados, fazendo-se necessário um planejamento prévio, muitas vezes no papel.
Essa tipografia enxuta remete ao início do street art, quando a atividade apareceu nos muros de grandes metrópoles e os grafiteiros eram mais perseguidos pela polícia do que ainda são hoje. Era preciso fazer algo rápido, prático, que exigisse poucos detalhes e facilitasse a fuga das autoridades policiais.
São Paulo, foi uma das primeiras a adentrar no mundo do grafite no país e hoje é considerada uma das capitais da arte de rua no mundo, junto a Nova Iorque, Amsterdan, Porto e Londres. Quando a expressão artística urbana apareceu na cidade do Recife, o grafite figurativo (com personagem e gravuras) e o bombing eram mais presentes. Principalmente o último exemplo, por ser fruto de um ritmo acelerado pelo clima de ilegalidade que representou e ainda representa ilustrar um muro sem autorização para isso. Esses estilos de escrita costumam serem os primeiros aplicados por quem abandona a pichação e vira um toy (grafiteiro iniciante). “Depois que parei de fazer a pichação, comecei no grafite fazendo bombing”, conta Florim, que explica que esse caminho é comumente seguido pelos jovens pichadores que descobrem estar cometendo um ato de vandalismo.
“Essa característica (da tipografia simples no grafite) existia mais no ínicio”, comenta Derlon Almeida, grafiteiro e artista plástico pernambucano que é nome bem conhecido tanto nas ruas quanto nas galerias de arte do país. Ele afirma que, nesse tempo onde tudo converge, essa delimitação de estilos não é mais comum. “Hoje tudo já está tão misturado, principalmente no Brasil, que tem uma tabela de grafites tão particular. Não é mais importante definir cada grafite, cada um faz seu próprio trabalho”.
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Nas ruas do Recife Antigo, letras estilizadas se misturam |
Alguns termos surgem para descrever detalhes. É o caso da gíria hollow (oco, em inglês), que indica uma bombing ou bubble vazado, sem cor. O contrário acontece ao dizer fill in, que é o preenchimento com cores. Por vezes, essas vertentes são confundidas com o Wild Style, que usa letras quase que ilegíveis e é considerado o pioneiro do grafite como é conhecido hoje.
Mas nem só de caligrafias estilizadas vive o grafiteiro. Um dos fatores que elevaram o grafite ao posto de vanguarda artística contemporânea é o uso de personagens e outros desenhos que definem o visual do trabalho. A maioria funciona até como uma assinatura do artista, que terá seu estilo reconhecido e consolidado. No caso de Derlon, é esse o caso. “Comecei grafitando letras, mas precisava de algo meu, que quando alguém passasse já reconhecesse quem fez”.
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Derlon e uma de seus trabalhos, por trás da Rua da Moeda, no Recife Antigo |
Grafiteiros como o britânico Banksy, a francesa Miss Van e os brasileiros Os Gêmeos e o próprio Derlon passaram a ser respeitados como artistas graças ao traço marcante e o conceito de suas obras. Outros artistas de rua que usam do talento para mudar realidades sociais como o integrantes da ONG Cores do Amanhã provam que a arte pode sim elevar a condição humana de quem faz e admira. De muros abandonados aos museus, eles mostram que o underground pode ser pop de alguma forma e, principalmente, que a arte pode estar em toda parte.
Vídeo:
O que acontece nas ruas da cidade são componentes do grafite, o transito é um deles. Vídeo experimental da visão de um motorista do grafite pela cidade:
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